A TERRA E A GENTE BRASILEIRA

O golpe militar de 64 contra o governo João Goulart foi dado em grande parte para impedir que se levasse adiante seu programa de uma Reforma Agrária, que fixasse 10 milhões de famílias na terra, como pequenos proprietários. O governo militar que se seguiu proscreveu este programa e reforçou a política de expansão do latifúndio, aumentando exponencialmente o número de grandes propriedades e suas dimensões. Elas hoje cobrem já toda a imensidade do território nacional.

Os efeitos dessa política foram, por um lado, o crescimento exponencial de cidades, sobretudo o Rio e São Paulo, e o desencadeamento consequente da violência urbana. Foram, por outro lado, o desmatamento mais antiecológico da Amazônia e a violência rural que já explodiu.

Vozes, que pareciam ingênuas às vezes argumentam que o desmatamento da Amazônia não é tão grave, dadas as dimensões gigantescas da floresta. Temo que não seja assim. Vimos na primeira metade deste século ser destruída uma floresta pujante, como a do Vale do Rio Doce, que parecia também imensa demais para que pudesse ser tombada. Aquela floresta foi posta abaixo por fazendeiros, armados de caixas de fósforos. Eles nem pagavam os trabalhadores pelo desflorestamento: apenas deixavam que plantassem uma roça de feijão na terra recém-desvestida da mata, antes de semearem o capim.

Hoje, toda aquela imensidade é um capinzal só, cortado por lanhos de terra ferida, exposta, onde o capim não pegou e a erosão cria uma paisagem lunar. Toda aquela pastaria a imensa lá está, à espera, ainda, de um gado que os fazendeiros não têm.

Percorrendo recentemente 1.200 quilômetros de estrada da Rodovia Rio-Bahia, coberta toda ela no passado por uma mata, o que vi ali foi um capinzal imenso. Eu o olhava com tristeza, lembrando que numa extensão semelhante, que havia percorrido pouco antes, viajando da Alemanha para a França, tinha visto muito mais floresta e muitíssimo mais cultivo.

Assim é que não posso ter ilusões de que fracassem na sua tarefa igualmente sinistra aqueles que estão desmatando a Amazônia. Eles são, de fato, muito mais poderosos, com seus capitais, sua organização empresarial, seu domínio tecnológico e suas imensas disponibilidades de meios: enormes tratores de esteira enlaçados por correntes que podem arrancar pela raiz florestas inteiras, aviões que espargem desfolhantes mortais sobre as árvores, moto serras e toda a parafernália com que atacam a floresta amazônica. Entretanto, a peça mais poderosa desse exército marciano de assassinos do verde é, de fato, o sistema social brasileiro. Aqui, desde sempre, o povo existiu como uma fonte energética, que se gastava na produção do que não consumia. Primeiro, se gastaram milhões de índios nativos; depois, outros tantos milhões de escravos, caçados na África. Mais tarde, vieram imigrantes europeus e japoneses, também aos milhões, excedentes das necessidades de mão-de-obra de seus países. Agora, o que excede também no Brasil é gente, que só quer trabalhar para viver, e que só sabe plantar. Gente,  a quem se nega um palmo de terra. Tais são as massas brasileiras, que nunca foram levadas em consideração e continuam sendo olhadas com o maior desprezo. O que se expande no Brasil é uma economia de prosperidade socialmente irresponsável, insensível aos requisitos essenciais da vida, porque só se preocupa com o lucro.

Parte do texto Construindo o próprio caminho, publicado no primeiro número da Revista Informação Pedagógica, publicada pela Secretaria Extraordinária de Programas Especiais em 1992, para o Curso de Formação de Professores dos Centros Integrados de Educação Pública (CIEP)