Ninguém sabe como será o mundo de amanhã. Fixemos, por exemplo, o ano 2050, que será, sem qualquer dúvida, muito mais diferente de hoje do que nós em relação a 1945, ano do fim da 2ª Guerra Mundial. Tudo mudou radicalmente de então para cá. As mulheres transformadas pela pílula. A sexualidade pelo AIDS. As enfermidades pelos antibióticos. O surgimento da televisão de massa. E, sobretudo, a informática, tão recente e que já comanda o mundo em todas as suas faces de forma inelutável.
As grandes potências de hoje, os Estados Unidos, o Japão, a Alemanha, sabem de certeza certa que vão mudar completamente. Inclusive porque os materiais que sustentam seu carro de vida vão durar uns vinte anos. Que é que substituirá as fontes de energia, os minérios e tanta coisa mais? De que modo? A que preço? Os otimistas confiam que, espontaneamente, surgirão soluções e aquelas nações continuarão resplandecentes. Tomara. Os pessimistas temem que os fatores dissociativos, já presentes nelas, as convulsionarão de tal forma que irão à ruína. Tomara
Eles e nós somos contrapartes contemporâneas de um mesmo sistema produtivo. Somos os frutos maduros da civilização ocidental europeia. Foi ela que, pelo funcionamento orientado unilateralmente de sua economia, produziu, lá, a prosperidade; cá, a penúria, mutuamente interdependentes. Agora, tudo entrou a mudar tão fantasticamente que todos, nós e eles, nos espantamos, surpresos. Para eles não há risco maior, trata-se, apenas, de continuar fazendo a economia mundial funcionar para atendê-los como sempre fez. Para nós, não. Trata-se de inverter a tendência histórica secular e o próprio pendor humano para nos viabilizarmos. Como?
Se os donos do mundo não sabem de si mesmos, que fará nós, seus súditos? Uma coisa é certa, eles continuarão precisando da contribuição de nossa pobreza para sua prosperidade. Com esse objetivo, inventam para nós o futuro que lhes convém. Impõem, para isso, a toda a mídia, como novidade, a supremacia do mercado, que conhecemos há tantos séculos e que nos fez tal qual somos, corno principal fator de prosperidade dos povos. Fazem os parlamentos votarem leis de patente para nos impor uma nova soja muito melhor que cafezal para produzir café e muito melhor que cacau para produzir chocolate, além de inovações econômicas muito mais desastrosas.
A única forma de nos livrarmos desse futuro interesseiro, imposto lá de fora, é inventarmos, nós mesmos, o futuro que queremos. Uma espécie de Brasil Utópico para os brasileiros todos, menos, naturalmente, os associados ao mercado mundial, porque o projeto deles é fortalecer esses vínculos mortíferos.
Seria factível isso? Inventar e implantar todo um Brasil para nós mesmos a partir de nossas forças e fraquezas? Eu não sei, não. Duvido muito. É, talvez, inelutável o êxito deles através da manipulação da mídia para conformar a opinião pública nacional; de seu controle de nossas leis, porque são os donos dos grandes partidos; da dominação de nossa economia, através de chantagens. Todos que têm juízo vão aderir ao projeto d’Eles, porque é muito mais vantajoso para quem se entregar. Garantirá uma vida regalada, tão rica e gostosa que os tornará ainda mais cegos para a fome e o atraso generalizados.
Entretanto, digo a vocês, vale a pena brigar. A luta será mais interessante para o povo inteiro que uma Copa Mundial de Futebol. Chamará todos os brasileiros a participar dela. Sobretudo para os jovens, que receberão dos pais um país de merda de que só podem se vexar. País, entretanto, que tem tudo para ser o melhor do mundo. Pensem Só, ponderem as nossas vantagens. Um paízão tropical, que nem inverno tem. Um território fértil, o mais ensolarado desse mundo. Um. povo mestiço, bonito, alegre e criativo como não há outro. Com uma incontida vontade de fartura, de beleza e de felicidade, capaz de qualquer esforço para alcançar isso.
O ruim, aqui, imprestável mesmo, é nossa elite: cosmopolita, entreguista, vaidosa de si, envergonhada de seu país e de seu povo. Se tomarmos dela o poder, por um tempinho que seja, faremos do país o Brasil de nossos sonhos. Pelo menos tentaremos seu fazimento, o que não conseguimos antes, naquele instante de poder que exercemos e perdemos.
Iniciando essa transfiguração, o mundo começará a ver, em pasmo, construir-se uma verdadeira utopia, aqui onde ela foi primeiro pensada. Pelos índios que cá existiam antes e viviam para se exercer como gente, feliz de si mesma, sem outra obrigação que não fosse conviver solidária e alegremente. Se possível indo para um lugar ainda melhor, a Terra Sem Males de seu Deus, Maíra. Pelos filósofos que, ao deparar com nossa· indianidade nuela, mudaram todo o seu discurso, constatando que seus ancestrais não seriam anacoretas bíblicos, mas selvagens belos como os nossos e que a finalidade dos homens é sua própria felicidade. Pelos místicos, a começar pelo príncipe que queimava seus culhões com um cinturão de cilício pura mostrar seu amor a Deus, mas construiu o barco oceânico que veio ter aqui e aderiu à heresia de Eva, que acreditava que o paraíso era para se construir nesse mundo. Pelos ideólogos, como Tomás, que inventou a Utopia inspirado no Brasil e que, também por isso, foi decapitado. Pelos revolucionários da liberdade, da igualdade e da fraternidade, que tentaram refazer a sociedade segundo um. projeto. Primeiro, os jesuítas com seus índios pios. Depois, os franceses da Comuna de Paris. Ultimamente, os russos antigos, divididos entre Lênin e Stalin e que deram com os burros n’água.
Nossa Utopia Brasil, embora herdeira de todas essas infundadas esperanças, é o avesso de todas elas. Quer tanto e tão somente reverter a linha histórica que nos fez ser e existir, produzindo açúcar para adoçar bocas alheias e ouros para enriquecer antípodas. Agora, não se trata de qualquer luta de classes, com a ilusão de levar para cima os pobres e oprimidos e sujigar, embaixo, os ricos e poderosos. Isso tivemos em Palmares, com negros xucros querendo inventar o socialismo antes do tempo. Na Balaiada, com os caboclos tupi-falantes, mais uma vez donos do poder sem saber o que fazer dele. Em Cunudos, por longo tempo, numa utopia encarnada por lusitanidades como a de desencantar o rei D. Sebastião. Trata-se, agora, frente a um mundo de tecnicalidades monopolizadas, de criar um novo regime empresarial que, em vez de ser cativo de consumidores longínquos, trabalhe em proveito da gente daqui mesmo, desde sempre faminta e ignorante.
Quem sou eu para idealizar esse Brasil brasileiro e contente de si mesmo? Quisera. O que tenho para oferecer a debates são algumas ideias que peço a todos os brasileiros que repensem, para encontrar modos de plantá-las no chão do mundo. Muitos de nós, juntos, podemos sonhar realisticamente o país que queremos, de convivência gentil, de fartura geral, e de muitas escolas alegres.
Falo, sobretudo, à juventude porque, digo outra vez, de minha geração, dos que têm mais de trinta anos, já me desesperancei. Broxararn. Só os novos, os que vêm, podem plasmar essa utopia singela de que dou os traços mais gerais, explorando as potencialidades mais visíveis do Brasil.
*Não conseguimos localizar onde este texto foi publicado. Na Fundação há apenas a cópia do texto, sem referências.