Giberto Freyre – A Compreensão do Brasil

Dos cientistas sociais modernos do Brasil só Giberto Freyre, com CASA GRANDE E SENZALA, de fato me empolgou. Sendo o Brasil um país de paixões intelectuais desenfreadas – em que cada pensador se agarra cedo a um teórico da moda e a ele tanto se apega que converte em servidão a sua atividade criadora – foi muito bom para mim deparar com alguém com tal rechaço a pais teóricos. O que a maioria dos cientistas e dos ensaístas brasileiros faz é, no máximo, ilustrar com exemplos locais a genialidade das teses de seus mestres.

A COMPREENSÃO DO BRASIL 1

Gilberto, não. Ele não só se manteve independente, sem se fazer seguidor de nenhum mestre estrangeiro, mas se fez herdeiro de todos os brasileiros que se esforçaram por nos compreender. Ao contrário do que ocorreu com as ciências sociais “escolásticas” introduzidas no Brasil por franceses e norte-americanos – que floresceram como transplantes, ignorando solenemente como um matinho à toa tudo quanto floresceu antes delas – Gilberto Freyre é herdeiro e conhecedor profundo de Joaquim Nabuco, de Sílvio Romero, de Euclides da Cunha, de Nina Rodrigues, cujas obras leu, todas, apreciou o que nelas permanece válido, utilizou amplissimamente e levou adiante.

Observe-se que não falo aqui de afinidades e consonâncias com teses enunciadas antes. Falo de algo mais relevante, que é prosseguimento do esforço coletivo de ir construindo, geração após geração, cada qual como pode, o edifício do autoconhecimento nacional. Ninguém pode contribuir para ele, é óbvio, se não conhece a bibliografia antecedente. E isto é o que ocorre com a generalidade dos cientistas sociais. Desgraçadamente, para eles, aquela bibliografia é inútil. Inútil porque, na verdade, as contribuições deles são palpites dados a um outro discurso, composto no estrangeiro para ser lido e admirado. Por isso mesmo, para nós também, quase sempre as suas obras são inúteis ou, no máximo, irrelevantes.

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GILBERTO FREYRE – UMA INTRODUÇÃO A CASA-GRANDE & SENZALA 2

Gilberto Freyre tem uma característica com que simpatizo muito. Como eu, ele gosta que se enrosca de si mesmo. Saboreia elogios como a bombons, confessa. Abre seus livros com apreciações detalhadas sobre suas grandezas e notícias circunstanciadas de cada pasmo que provoca pelo mundo afora.

E não precisava ser assim. Afinal, não é só Gilberto que se admira. Todos o admiramos. Alguns de nós, superlativamente. Guimarães Rosa, o maior estilista brasileiro, nos diz que o estilo de Gilberto já por si daria para obrigar a nossa admiração. Mestre Anísio, o pensador mais agudo deste país, nos pede que antecipemos a Gilberto a grandeza que o futuro há de reconhecer nele, porque ficamos todos mais brasileiros com a sua obra. Fernando de Azevedo, falando em nome da sociologia, quase repete Anísio ao nos dizer que todos lhe devemos – a Gilberto – um pouco do que somos e muito do que sabemos.

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Gilberto Freire escreve de sua casa senhorial no bairro dos Apipucos, no Recife, como um neto de senhores de engenho, um branco seguro de sua fidalguia. Assim como Euclides — a observação é de Gilberto — escrevia como um ameríndio, um caboclo, Gilberto escreve como um neoluso, como um dominador. Nenhum dos dois é, apenas, uma coisa ou outra, bem sabemos.


[1] Parte do texto Construindo o próprio caminho, publicado no primeiro número da Revista Informação Pedagógica, publicada pela Secretaria Extraordinária de Programas Especiais em 1992, para o Curso de Formação de Professores dos Centros Integrados de Educação Pública (CIEP)

[2] Estes dois extratos foram publicados em Sobre o Óbvio, em 1996.Segundo nota nessa edição, compõem o prólogo à edição de Casa-Grande & Senzala, pela Biblioteca Ayacucho de Caracas, na Venezuela.