Política*

A Lei da Anistia trouxe de volta milhares de brasileiros. Inclusive meu amigo Leonel Brizola, que retornou em setembro de 1979. Fui recebê-lo em São Borja, porque ele quis regressar por lá, terra de Getúlio, de Jango e de sua mulher Neuza, irmã de Jango. Foi bonito vê-lo chegar, alegre, eufórico, abraçando toda gente e olhando, comovido, um grande corpo de cavaleiros que vieram em marcha saudá-lo, portando altíssimas lanças embandeiradas. Eu também me comovi.

O Brizola que regressava ao Brasil era outro homem. A ditadura brasileira forçou o governo uruguaio a interná-lo numa praia inóspita, onde era vigiado para impedir que continuasse influenciando na política do Rio Grande do Sul. A reação de Brizola foi totalmente inesperada. Ele pediu apoio ao presidente Carter, dos Estados Unidos, que liderava um movimento mundial pelos direitos humanos. Assim é que Brizola lá chegou como um dissidente, amparado pelo presidente Carter. A partir desse novo pouso, Brizola voltou a crescer. Agora, como um dos principais líderes socialistas latino-americanos. Foi nessa condição que se trasladou para Lisboa, aproximou-se da Internacional Socialista através do patrocínio de Mário Soares, sendo recebido na qualidade de eminente estadista por diversos governantes europeus, tais como Mitterrand, Olav Palme Willy Brandt.

Seu prestígio na Europa era tão grande que, um ano depois, sentado a seu lado num congresso da Internacional Socialista, em Madri, vi Brizola ser saudado como um futuro chefe de Estado. Constatei ali, uma vez mais, o imenso poderio do carisma de Brizola, que vira exercer-se tantas vezes no Brasil. Carisma é a qualidade daquele líder distinguível entre todos, como se tivesse uma estrela na testa. Os gregos antigos o definiam como aquele que, ao entrar no templo, enche o templo.

Nos anos seguintes de convívio intenso, aprendi a ver e a admirar Brizola pela sua personalidade extraordinária, lúcida e temerária. Ele já era visto pela elite brasileira como seu principal adversário nos idos de 1964; agora o viam com maior pavor, diante da possibilidade de chegar à Presidência da República para lá realizar as grandes reformas sociais, desde sempre postergadas. Brizola é caso único de político que foi eleito governador em dois estados difíceis, o Rio Grande do Sul e o Rio de Janeiro, e que escolheu ser reeleito no Rio de Janeiro. Ele é, a meu juízo, a cabeça mais madura de estadista irredento que temos.

Reintegrados no quadro político graças à anistia, nosso primeiro objetivo foi reconquistar a velha legenda do Partido Trabalhista Brasileiro, legenda historicamente nossa, e que só nós podíamos conduzir com dignidade. Ainda no exílio, Brizola promoveu duas reuniões em Lisboa, a que compareceram tanto exilados como gente vinda do Brasil, com o objetivo de definir o programa do futuro PTB. Escrevi os estatutos do novo PTB e entramos em luta judicial em Brasília contra uma aventureira, Ivete Vargas que, associada ao general Golbery, disputava a mesma legenda. Ela ganhou. Brizola sofreu tamanha decepção que o vi ficar hirto e chorar quando a notícia nos foi levada, na sala em que, com uma centena de companheiros, esperávamos a resolução da Justiça.

Pouco depois, Doutel de Andrade me procurava para escrever um novo estatuto. Agora para o Partido Democrático Trabalhista, que seria nossa trincheira. Com essa legenda voltamos à vida política. Fui vice-governador do Rio com Brizola, em seu primeiro mandato, em 1982. Nesse período me incumbi da Secretaria de Cultura e iniciei o lançamento do Programa Especial de Educação mais amplo e ambicioso que o Brasil já viu. Posteriormente fui seu candidato a governador do Rio e perdi a eleição em razão do Plano Cruzado, que permitiu a Sarney ganhar as eleições em quase todos os estados. Só Brizola denunciou o Plano. O fez sabendo que punha minha eleição em risco. Mas a um homem de sua envergadura é impossível fazer tramoia, enganando o povo sobre o que considerava um programa mentiroso da Presidência da República. E assim era.

Brizola foi reeleito governador em 1990, e eu foi para o Senado. Nesse período, coordenei a secretaria extraordinária que concluiu os programas de edificação e de formação do magistério para os CIEPs e os ginásios públicos. Em 1994, Brizola candidatou-se à Presidência e fui seu candidato a vice-presidente. Como é sabido, perdemos a eleição.

*Texto de Darcy Ribeiro sobre Leonel Brizola, extraído do livro Confissões, publicado em 1997 pela Companhia das Letras, quando Darcy já havia morrido. (p.471-473)