PROJETO CABOCLO*

A Amazônia constitui uma das maiores preocupações da gente de toda a Terra. Todos queremos salvá-la, tanto a floresta maior do mundo que é o Jardim da Terra quanto, e sobretudo, os povos da floresta.

Entretanto, essa aspiração salvacionista esbarra com o duro fato de que só sabemos usar a floresta matando-a, seja para plantar capim, na intenção de fazer dela um pampa argentino, seja em outras utilizações. Todas elas começam derrubando a mata e expulsando a gente que sabe habitá-la.

Há 50 anos, desde que comecei a estudar a Amazônia, e, sobretudo, nos últimos dez, venho enfrentando o desafio de propor uma solução concreta que é a de explorar a Amazônia, preservar a floresta e reter nela sua população cabocla.

Falo do Projeto Caboclo, que afinal encontrou apoio para concretizar-se. Graças à ajuda de organizações internacionais, de empresas nacionais e do governo. Meu projeto consiste em instalar, em áreas de 5 mil hectares, no meio da floresta, comunidades de 50 famílias. Para ali refazerem as formas de adaptação ecológica que desenvolveram ou herdaram de 10 mil anos de sabedoria indígena.

A cada família se deve assegurar uma renda mensal de um salário mínimo. Sua primeira tarefa seria plantar uma grande roça coletiva que garanta a subsistência, construir uma casona que sirva de centro de convívio, escola e igreja e, ao redor dela, 50 casas.

Todas edificadas segundo a prática cabocla de uso da madeira e das folhas de palmeiras. Uma vez implantada essa base de sobrevivência, aquela comunidade se encarregará de plantar, no meio da mata, muitos milhares de árvores frutíferas como o cupuaçu, bacuri, a castanha, o açaí e umas dez mais.

Além disso, plantará também madeiras de lei e árvores de uso industrial, como a seringueira. Simultaneamente, deverão criar no agual que é a Amazônia grandes criatórios de peixes, jacarés, tartarugas etc. Essa forma de ocupação, além de garantir o fundamental que é uma farta subsistência da comunidade, lhes dará prosperidade econômica, permitindo que ao fim de seis anos se tornem independentes e se organizem como cooperativas.

Não há por que plantar todas essas árvores e criar todos esses peixes amazônicos em São Paulo ou em Minas, como se faz, e não fazer o mesmo na Amazônia. Acresce a isso que só essa alternativa de ocupação impedirá que os povos da floresta continuem condenados a viver a vida famélica de Belém e de Manaus.

Um projeto assim de ampla duração foge das razões imediatistas das empresas que estão se instalando na Amazônia. Razão por que precisa ser subsidiado a um custo muito baixo que são os salários, os meios de transporte e as instalações básicas para a exploração da floresta.

Meu projeto está encontrando amplo apoio. Inclusive, já tem uma garantia de doação de seis áreas para implantar as comunidades experimentais. Muita gente mais poderá e deverá ajudar, tanto por amor à floresta e seus povos como pelo desejo de viver e conviver alguns anos no meio da mata com as comunidades caboclas.

Se você quiser participar desse empreendimento ecológico e humanista escreva para mim, no Senado, em Brasília.

10 de fevereiro de 1997

*Esta crônica foi publicada na coluna de Darcy Ribeiro na Folha de São Paulo uma semana antes de morrer.