Viva elas

Não é novidade que eu goste delas. Acho até que homem tem certa inhaca, mas não falo delas hoje como amadas e namoradas muito amadas, nem como colegas de trabalho, que eu sempre preferi porque mais dedicadas, mais confiáveis e mais generosas, capazes de abraçar causas impessoais. Por vezes, temo até pela eficiência delas. Já dominaram a Educação, estão dominando a Medicina e o Serviço Público. As diabas não se põem limites, nadam de braçadas em todos os campos, deixando os rapazes ressabiados e medrosos. Que se virem, esse mundo é dos melhores!

Quero falar hoje é das meninas que vi nas Olimpíadas e que encheram meu coração. Falo é da Hortência e das Anas, admiráveis pela beleza esplêndida de atletas e pela garra combatível. Vivi esses dias ou essas noites pregado na televisão, vendo extasiado a beleza delas e sofrendo a tibieza deles.

Que é que aconteceu com os homens, meus companheiros de gênero, que só nos dão frustrações? A seleção do Zagalo em quem púnhamos tantas esperanças foi de fracasso em fracasso. É certo que houve exceções, como esse fantástico Ronaldinho, mas ele mesmo é fraco demais, não aguenta uma partida inteira, precisa ser refeito.

Não sei nada de futebol, só vejo as partidas das Copas e, agora, da Olimpíada. Mas o que vi não só me entristeceu, também me preocupou muito. Não sou racista, mas não está faltando negro no futebol brasileiro? Veja os negrões da Nigéria, não sabem jogar futebol, mas têm uma raça e uma alma que arrasaram nos nossos moreninhos.

A música popular e o futebol são as únicas dimensões em que o povo do fundo, todo iletrado, podia mostrar seu valor. A música, todos sabemos, foi assaltada pela classe média, saiu dos morros e das periferias, tornou-se erudita, preciosista, melhorou muito, mas deixou meu crioléu de mãos vazias e de violões vadios.

O mesmo ocorreu, me parece, com o futebol, que também se clareou e piorou. Senti isso como culpa pessoal quando quis construir um Ciep num campo de peladas no subúrbio carioca e fui impedido por jovens acampados lá, dizendo que não queriam escola, queriam futebol. Caí em mim, mas era tarde. Eu já havia acabado com mais de 50 campos de pelada para construir Cieps. Um crime. Nas favelas, por mais que se concentre os casebres, respeitam-se os campinhos de futebol, que são o espaço planetário das alegrias do povo.

Todas as minhas alegrias desta Olimpíada vieram das meninas. O vôlei de praia, tão carioca; o vôlei de quadra, tão brasileiro, nos deram o que antigamente o futebol nos dava. Momentos de alegria também tivemos na natação, no judô e no atletismo. Aqui também registram-se exceções de homens pra valer, como esse Oscar do basquete que encheu nossas medidas. Mas meu coração pedia mais, muito mais. Em resumidas contas, quem nos deu medalhas e até ouros inaugurais de nossa glória foram as meninas. Viva elas.

Este texto foi publicado no livro Crônicas Brasileiras, pela Editora Desiderata em 2009, selecionadas por Eric Nepomuceno entre os artigos publicados por Darcy Ribeiro na sua coluna do Jornal Folha de São Paulo, entre agosto de 1995 e fevereiro de 1997.